segunda-feira, 15 de abril de 2024

Revista: A mulher, a comunidade local e a luta por igualdade de gênero

Nos últimos anos o calendário escolar da rede estadual de educação do Tocantins tem indicado a realização da semana de combate a violência contra a mulher, na semana em que é celebrado o dia internacional da mulher (8 de março). Com isso observamos uma orientação de que o 8 de março não pode ser reduzido à homenagem às mulheres com flores e bombons, mas também como um momento de reflexão e discussão sobre a condição feminina na sociedade.

É nesse contexto que se insere esse projeto, que buscou trazer a discussão para o território em que a escola está inserida - território que inclusive é formado por alguns bairros batizados com nomes de mulheres. Até que ponto a comunidade conhece quem foram essas mulheres? Por que elas foram homenageadas dando nomes a bairros? Quem fez essa homenagem? Esse foi apenas o ponto de partida para discutirmos outras questões como violência e igualdade de gênero. 

Pelo discurso de alguns estudantes, a importância dessa discussão no ambiente escolar é mais do que justificável. Discurso que reproduz a violência e o machismo estrutural da nossa sociedade. Discursos que inclusive vão contra os direitos humanos. Por outro lado percebemos a sensibilidade daqueles que reconhecem o problema e percebem a necessidade de uma mudança de paradigma. Em consonância com o que propõe a Organização das Nações Unidas (ONU) nos seus desafios para o desenvolvimento sustentável, que entre eles está a igualdade de gênero.

Para que isso se efetive acreditamos que a educação cumpre um papel importante. Sobretudo contribuindo com a construção de uma cultura de respeito e reconhecimento dos direitos do outro. 

Enfim. O material que segue nesta publicação foi elaborado pelos estudantes e mostra um pouco da nossa estratégia pedagógica para trabalhar a temática. Foram muitas atividades, mas tivemos que optar por aquelas, que na nossa visão, tiveram uma melhor elaboração. Como o desenho da capa feito pelas estudantes da 1ª série do Ensino Médio (13.06) - Mariahthe, Anny e Millena. 

Baixe a versão digital da Revista acessando o link:https://drive.google.com/file/d/1auiJUwMZCksBMPdseVs2lurC3YyXwhRK/view?usp=sharing

Pedro Ferreira Nunes - Professor da Educação Básica no CEMIL Santa Rita de Cássia.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Sobre os afetos e a importância da sua compreensão

O que faz com que os indivíduos ajam de uma determinada forma, em situações e contextos determinados? Eis um problema que diversos pensadores buscaram responder ao longo da história. A partir dessas reflexões uma questão chama atenção: O poder dos afetos – uma questão que se tornou um ponto central nas diferentes teorias no campo da ética. 

Antes de falarmos do poder dos afetos, precisamos defini-los. Salientando que em Filosofia nem sempre há uma única compreensão de determinados conceitos. Desse modo optaremos de início pela definição dada pelo filósofo holandês Baruch Espinoza, que compreende afetos como (2014, p. 38) “afecções do corpo que aumentam ou diminuem, ajudam ou limitam, a potência de agir deste corpo e ao mesmo tempo as ideias destas afecções”.

A partir dessa definição percebemos que existem afetos que nos fazem bem, e outros que nos fazem o contrário. Desse modo devemos agir buscando conservar os afetos que aumentam ou ajudam a nossa potência de agir e destruir aqueles que limitam ou diminuem a nossa potência de agir. Que afetos seriam esses? 

De acordo com o nosso filósofo existem três afetos primários, a saber: Alegria, Tristeza e Desejo. Sendo que é a partir deles que se originam os demais, como por exemplo, o amor, o ódio, a esperança, o medo entre outros. 

As afecções que derivam da tristeza seriam aquelas que diminuem ou limitam a nossa potência de agir, já as que se originam da alegria ajudam ou aumentam a nossa potência de agir. E as afecções originadas do desejo também são da mesma natureza, por exemplo, a audácia é apontada pelo nosso filósofo como (2014, p. 68) “o desejo que leva alguém a fazer algo correndo um perigo que seus iguais teriam medo de suportar”. O contrário da covardia, “que se diz de alguém cujo desejo é limitado pelo temor de um perigo que seus iguais ousam suportar”. Desse modo percebemos que o primeiro seria um desejo que ajuda ou aumenta a nossa potência de agir, e a covardia seria o contrário. 

É importante ressaltar que para Espinoza mente e corpo não são substâncias separadas. Pelo contrário, pois segundo o nosso filósofo (2014, p. 41) “a primeira coisa que constitui a essência da mente é a ideia de um corpo existente em ato”. Desse modo mente e corpo são unos. Uma compreensão que o afastará não só do racionalismo do filósofo francês Descartes, como também da ética cristã - que defendiam uma visão dualista em que mente e corpo eram substâncias separadas, sendo que a mente deveria comandar o corpo. Chamamos atenção para esse ponto pelo fato de que a compreensão que o nosso filósofo tem acerca de determinados afetos, é diferente da compreensão que a cultura ocidental, fortemente influenciada pelo cristianismo, tem. Um exemplo é a respeito da Esperança, que veremos mais à frente.

Antes de Baruch Espinoza, Aristóteles no período clássico, também buscou compreender os afetos e apresentou uma definição dos mesmos. Para o filósofo grego afetos são sentimentos acompanhados de prazer ou dor. Logo podem provocar bons ou maus encontros.

Aparentemente pode se pensar que a compreensão acerca dos afetos Aristotélica vai na mesma linha da Espinozana. Mas não é bem assim. Para Aristóteles a classificação de uma paixão entre boa ou má não se dá a priori como em Espinoza. Mas sim a partir dá forma que a sentimos. O que significa dizer que o problema não é o afeto, mas o modo como somos afetados. Por exemplo, em relação a cólera, para Aristóteles (1991, p. 33) seria considerado mal “se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco, e boa se a sentimos moderadamente”.

Um aspecto importante na compreensão do Aristóteles acerca dos afetos é que estes fariam parte da nossa natureza. E sendo parte da nossa natureza não tem como nega-los. Pois (1991, p. 34) “sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha da nossa parte”. Mas se não temos esse poder de escolher se seremos afetados ou não, e por quais afetos, temos condição de modera-los. E é nesse ponto que tanto a perspectiva Ética de Aristóteles como do Baruch Espinoza entra em concordância, isto é, ambos defendem que é possível moderar – agindo racionalmente – as afecções. Aristóteles dirá (1991, p. 36),


Tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consiste o meio-termo e a excelência característica da virtude (ARISTÓTELES, 1991, p. 36).


Baruch Espinoza por sua vez salienta que sem conhecer a origem e natureza dos afetos será impossível agir de forma racional. Para o filósofo holandês antes de jugarmos as ações dos homens a partir das suas afecções, devemos sim buscar compreendê-los. 


Nada há que possa ser atribuído a um vício da natureza, pois a natureza é sempre a mesma e sua virtude e potência de agir são sempre em qualquer lugar as mesmas, isto é, as leis e regras da natureza, segundo as quais tudo acontece e passa de uma forma a outra, são as mesmas sempre e em qualquer lugar (ESPINOZA, 2014, p. 38).  


A partir da análise do que Aristóteles e Baruch Espinoza falam sobre os afetos podemos fazer algumas conclusões: Primeiro, que estamos falando de algo que faz parte da natureza. E como parte da natureza que somos não podemos escolher ser afetados ou não por eles. Segundo, o modo como somos afetados pelos afetos determinam as nossas ações. Isto é, se serão ações virtuosas ou viciosas. Terceiro, é possível agir evitando, ou moderando, os afetos que nos proporcionam maus encontros. Ou seja, que limita ou diminuem a nossa potência de agir. Quarto, controlar os afetos, racionalmente, é agir eticamente. 

Dito isso, temos então a visão do filósofo brasileiro Vladimir Safatle, que digamos, não está preocupado em apresentar uma nova teoria sobre a origem e natureza dos afetos. Também não está preocupado em saber como os afetos determinam as ações dos indivíduos na sociedade. Mas sim com o problema de que os afetos que circulam numa determinada sociedade definem o modo de vida nessa sociedade. Tal compreensão é importante, sobretudo se se pretende buscar uma mudança. Dessa forma a leitura do filósofo se afasta um pouco da questão ética e se aproxima da política. Cabe, no entanto, ressaltar que em Filosofia ética e política estão intrinsicamente ligadas.

Para Safatle (2015, p. 15-16) normalmente a sociedade é compreendida como “um sistema de normas, valores e regras que estruturam formas de comportamento e interação em múltiplas esferas da vida”. Tal compreensão não é equivocada. No entanto ele salienta que além de normas explicitas existem as implícitas - que estão sempre em conflitos. Desse modo se faz necessário compreender a sociedade a partir da sua subjetividade, dos afetos que circulam no seu seio. Nosso filósofo salienta que (2015, p. 16) “há uma adesão social construída através das afecções. Nesse sentido, quando sociedades se transformam, abrindo-se à produção de formas singulares de vida, os afetos começam a circular de outra forma”. 

Percebemos que assim como em Aristóteles e Espinoza, em Safatle há uma defesa da necessidade de se compreender os afetos a partir de uma perspectiva racional. E ainda mais, utilizar o seu poder para transformar uma determinada realidade...

Pedro Ferreira Nunes. In. OS AFETOS QUE CIRCULAM ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: A Importância da Ética para Promoção dos Direitos Humanos, 2021. Trecho do artigo apresentado como requisito para conclusão da Especialização em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

As eleições municipais e a força do discurso conservador em Palmas

Os levantamentos acerca da intenção de votos para eleição do novo gestor ou gestora á frente da Prefeitura Municipal de Palmas apontam até agora a força da deputada Estadual Janad Valcari do Partido Liberal (PL). De onde vem essa força? Sobretudo pensando no fato de que estamos falando de uma personalidade que não tem uma tradição na política tocantinense.

Valcari está apenas no seu primeiro mandato como Deputada Estadual na Assembléia Legislativa. E anteriormente havia sido eleita para um primeiro mandato na Câmara de Vereadores da Capital – onde fora alçada para presidência da casa de leis e ganhou destaque se opondo a gestão da Prefeita Cíntia Ribeiro. Mas muito pouco se compararmos há alguns nomes com uma tradição maior na política palmense – como o Eduardo Siqueira Campos, Júnior Geo ou Carlos Amastha.

É óbvio que ainda há muito jogo até o dia da votação. Poderíamos dizer que, comparando com o futebol, os atletas ainda estão no aquecimento. Muitos nem sabe se vão jogar. Mas esse não é o caso de Janad Valcari que já se coloca como à favorita. 

Se é fato que favoristimo não ganha eleição, assim como não ganha jogo, tem lá a suas vantagens. Como por exemplo, articular mais apoio e uma maior estrutura para fazer a campanha. Óbvio,  que estamos falando de uma capital e eleitor da capital muitas vezes nos surpreende. Palmas mesmo tem na sua história momentos assim. No entanto, a cidade parece ter dado uma guinada conservadora pelo competente trabalho de base das igrejas neopentecostais nas periferias. E creio que é ai que se explica a força de Janad Valcari.

À relação entre religião e política não é uma novidade no cenário político da capital. Mas isso acabou ganhando contornos extremos a partir do fenômeno Bolsonaro. As igrejas neopentecostais foram transformadas em comitês de campanha e o reflexo desse movimento foi a votação do Bolsonaro (enquanto Lula obteve 39,68% dos votos do eleitor palmense no 2° turno, Bolsonaro alcançou 60,32%) e de candidatos aliados a sua figura, entre eles Valcari que foi a deputada mais bem votada com mais de 4 mil votos de diferença para o 2° colocado. Para Câmara dos deputados os dois candidato mais votados também foram do PL e ligados a igrejas neopentecostais – Filipe Martins e Eli Borges.

Confesso que me surpreendi com os números das eleições de 2022 em Palmas. Por ser uma capital esperava uma postura mais progressista da parte do eleitorado. Mas agora, vivendo na periferia da cidade, compreendo totalmente esses números. E quem decide a eleição em Palmas é a periferia. Assim como, no Estado quem decide é o interior.

Janad Valcari compreendeu esse movimento e é daí que vem sua força política. Ainda que do ponto de vista ideológico ela tenha uma linha mais liberal do que conservadora, ao contrário dos seus correligionários, Filipe e Eli. Isso a torna uma figura palatável para outros setores. Ou seja, é um nome com maior capacidade de atrair diferentes grupos políticos. No entanto, não há dúvida que ela vai buscar surfar na força que o bolsonarismo tem na capital.

Conscientes desse cenário, há não ser que tivéssemos um candidato da esquerda revolucionária, seus adversários também não irão se comportar de forma diferente. Ou seja, vão flertar com o conservadorismo para atrair o voto dos evangélicos. Nesse sentido um aspecto preocupante é a imposição de um pensamento único - e se há um pensamento único não se vislumbra mudanças qualitativas.

O discurso conservador tem se caracterizado pela disseminação do ódio e consequemente de negação dos direitos humanos para determinados setores da sociedade. E no caso que tenho observado na periferia de Palmas é que esse discurso está sendo assimilado pelas maiores vítimas dessa lógica. E infelizmente não há perspectiva de mudança a curto e médio prazo. Sobretudo, dependendo de quem será eleito nas eleições municipais.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação.


sábado, 30 de março de 2024

Poema: Para menina que vi no supermercado e provavelmente nunca mais verei


Eu não conseguia parar de olhar para ti.
Mesmo tentando ser discreto,
creio que você tenha percebido.

Algo no seu jeito,
me transmitia uma energia diferente.
Não, não era uma mulher qualquer. 

Esse não é o tipo de criatura,
que você encontra em qualquer lugar.
E não está ao alcance de um reles plebeu como eu.

Você estava acompanhada,
e muito bem acompanhada,
de outra mulher.

Seria uma amiga,
namorada?
Me pareceu que sim.

Quando eu ia saindo,
você magicamente surgiu na minha frente
empurrando um carrinho.

Sorriu para mim,
e moveu a cabeça 
num cumprimento terno.

Eu correspondi 
e segui
um pouco sem acreditar.

Me deu uma vontade de voltar
e falar:
- Meu, você é muito linda.

Mas....

Escrevo essas linhas para não esquecer,
da menina que vi no supermercado 
e provavelmente nunca mais irei ver.

Foi numa quarta á tarde, 
por volta das 18h, 
véspera de feriado.

Não tinha mais que 1,60 de altura
pele branca,
ruiva.

Usava óculos, 
não mais que 30 anos,
uma mancha no queixo.

Aparentava delicadeza, 
sem tatuagens á vista,
brilho de estrela. 

Enfim...

Que realize teus sonhos, 
que tenha sempre motivos pra sorrir. 
que seja feliz.

Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 


segunda-feira, 25 de março de 2024

Balanço da gestão Júnior Bandeira (2021-2024) em Lajeado


Júnior Bandeira  segue para finalizar mais um mandato como Prefeito da Cidade de Lajeado. Esse é o seu quarto mandato á frente do Paço municipal (levando em consideração o mandato tampão com a cassação do Dr. Tércio em 2019 pela justiça eleitoral). Ou seja, nos seus trinta e poucos anos de emancipação política Lajeado teve á frente da sua gestão essa figura – que gostem ou não – deixará sua marca. Mas nesse mandato especificamente que se finda em 2024 – e pode ser o último – qual seu legado? É uma gestão que merece continuidade através da eleição de outro nome desse grupo político ou é hora de mudança?

Mudança teremos de qualquer jeito. Pois ainda que o candidato eleito em 2024 seja do grupo político do Júnior Bandeira o estilo de administração será outro. Fala-se no vice-prefeito Edilson Mascarenhas (Nego Dilson). Será que mesmo com a máquina pública na mão ele tem alguma chance contra o principal candidato da oposição? Candidato esse que atende pelo nome de Dr. Tércio – e que além do apoio do Governador Wanderlei Barbosa também conta com o apoio de um histórico alinhado do Júnior Bandeira – o Senador Eduardo Gomes. 

Enfim, o próprio Júnior Bandeira parece ter se conformado que seu grupo político não tem um nome pelo qual vale a pena sacrificar a sua imagem. E se futuramente vier hipotecar o seu apoio a alguém será meramente protocolar. Há não ser que esse nome fosse do seu genro e secretário de finanças – Carlos Cacá. Mas o apoio do Eduardo Gomes a pré-candidatura do Dr. Tércio mostra que esse projeto não existe. Talvez no futuro, afinal de contas Cacá é jovem e deixa uma boa impressão para população lajeadense.

Aliás se a atual gestão Junior Bandeira sairá com uma visão positiva por parte da população isso se deve ao Secretário de Finanças Carlos Cacá – que fez com que o turismo em Lajeado de fato se tornasse uma política pública. Daí que os principais feitos dessa gestão seja a reforma do Balneário Ilha Verde, da Praia do Segredo e a realização de um calendário de eventos com atrações artísticas para atrair turistas. Além do arroz com feijão que todo gestor faz que é a manutenção dos serviços básicos como educação, saúde e limpeza urbana.

Muito pouco para o que a cidade necessita e tem condições financeiras de fazer. Por isso não temos dúvida em afirmar que se trata de uma gestão mediana – que do ponto de vista da melhoria da qualidade de vida da população pouco avançou. E se há um campo que mostra bem isso é a educação. 

Ora, é inadmissível que uma cidade com as condições financeiras que Lajeado tem, não tenha unidades escolares de excelência – que atendem em regime integral. Com laboratório de informática, laboratório de ciências da natureza, laboratório de produção audiovisual, refeitório, piscina entre outros (não vou nem entrar aqui na questão da valorização dos profissionais da educação). Assim como cursos técnicos profissionalizantes que de fato prepare o jovem para o trabalho, bolsas de estudo universitário para jovens de família de baixa renda, bem como a melhoria da rede de apoio ao turista por meio de qualificação profissional.  

A gestão dos resíduos sólidos é outro problema que não foi enfrentado por essa gestão. É inadmissível que a cidade tenha um lixão ativo (podem negar, mas não podem esconder a realidade). Para piorar, na entrada do principal ponto turístico da cidade.

Outro ponto crítico dessa gestão é o enfrentamento das expressões da questão social como a fome, a falta de moradia, a gravidez na adolescência, drogas entre outros. 

É importante destacar que a gestão atual não teve uma oposição ferrenha como foi com seus antecessores. Sobretudo na Câmara de Vereadores. O único momento de questionamento a gestão foi por parte dos professores da rede municipal reivindicando valorização salarial. O fato é que o principal adversário da gestão foi as restrições impostas pela pandemia de COVID-19 no biênio 2020-2021- o que não pode servir de desculpa para o que não foi feito.

Diante disso somos levados a afirmar que essa gestão não tocou nos reais problemas da cidade. Estava mais preocupada em promover uma imagem positiva para o público externo do que com as necessidades da sua população. Com isso respondemos as nossas questões iniciais da seguinte forma: em relação ao legado que essa gestão deixa salientamos sobretudo um investimento no turismo – o que não deixa de ser positivo por que gera emprego e renda. Mas ainda há muito o que se avançar para que o turista se sinta acolhido na cidade – a começar por um centro de atendimento ao turista. No entanto,  pensando nos problemas estruturais nada se avançou. Por isso não temos dúvida em defender a necessidade de mudança á frente da gestão municipal,  não só de nome. Mas de alguém que esteja de fato preocupado com o desenvolvimento sustentável de Lajeado.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E Professor da Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Está na comunidade ou com a comunidade

Quando estudante de Filosofia na Universidade Federal do Tocantins (UFT) participei como bolsista do Programa de Iniciação a docência  (PIBID) – que na prática consistia em acompanhar as atividades de um professor de filosofia numa unidade escolar em Palmas – auxiliando-o quando necessário. Inclusive ministrando aulas. No meu caso fui encaminhado para a Escola Frederico José Pedreira Neto. E vendo a minha desenvoltura a professora logo me encarregou de assumir as aulas da 3° Série do Ensino Médio. E posteriormente da 2°Série.

As aulas aconteciam nas sextas-feiras no período vespertino. Com isso eu tinha toda a semana para planejar o que e como fazer. Ou seja, tinha tempo mais do que o suficiente para planejar uma boa aula. Os estudantes eram bem participativos e com isso as aulas rendiam muito. Houve oportunidade que a aula acabava e eles queriam continuar discutindo. Mas nunca me senti parte da comunidade escolar. Nunca convivi verdadeiramente. Ia de forma pontual, dava minhas aulas e depois seguia para faculdade. Não vivia o dia a dia, não participava dos eventos, não vivia no território em que a escola estava localizada. Ou seja, eu estava na comunidade, fazia parte dela de alguma forma, mas não vivia com a comunidade. Não estava integrado a ela verdadeiramente.

Sempre acreditei, sendo coerente com a perspectiva educacional que me insiro, na necessidade do educador criar um vínculo com a comunidade em que irá atuar. E criar esse vínculo significa conhecer o território que a escola está inserida. E não há melhor maneira para isso do que viver no território. A partir daí terá mais condição de desenvolver o seu fazer pedagógico tendo como ponto de partida a realidade que o estudante está inserido. 

Do contrário, ou seja, não vivendo no território que a escola está inserida não significa que não fará um bom trabalho – que não possa dar boas aulas – aulas que certamente contribuíram para formação do estudante. Mas não é só a isso que resume o processo formativo – pelo menos não na minha perspectiva. A saber, uma educação libertadora fundamentada na ideia de que não basta conhecer, é preciso transformar determinada realidade.

Essa perspectiva pedagógica acredita que no processo formativo, além do aspecto educacional há um aspecto social – que só estando no território em que a escola está localizada. E conhecendo a realidade dos estudantes, podemos dar a nossa contribuição para a sua efetivação. De modo que nunca me passou pela cabeça, ao me tornar um educador, apenas está na comunidade, mas sobretudo está com a comunidade.

Isso é importante quando vamos trabalhar em territórios marginalizados. Sobretudo porque há toda uma narrativa preconceituosa acerca desses lugares e consequemente das pessoas que vivem ali – o que pode nos levar a uma postura arrogante – inclusive quando nos comportamos como uma espécie de salvadores com a missão de tirar aqueles pobres diabos da escuridão. 

Vivendo com a comunidade conseguimos perceber os seus reais problemas como também suas potencialidades. E a partir daí conseguimos desenvolver um trabalho mais consequente.

Pedro Ferreira Nunes – Graduado em Filosofia. Com especialização em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação do Tocantins.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Algumas impressões do romance “O canto da carpideira”, da Lita Maria

Com o avançar dos anos acredito ser natural que aja uma evolução na literatura produzida no Tocantins, sobretudo no campo da prosa. O romance “O canto da Carpideira”, da Lita Maria é um exemplo nesse sentido. Trata-se de uma obra bem escrita na qual a sua trama narrativa consegue nos envolver, nos fazer pensar e nos emocionar. 

Lita Maria é o pseudônimo da goiana, radicada no Tocantins, Lucelita Maria Alves. E a sua vivência como filha de um trabalhador rural e de uma costureira certamente a inspirou no seu processo criativo. Como também autores como Raquel de Queiroz, Gabriel Garcia Márquez, Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa. Membro da academia palmense de letras, Lita Maria é certamente uma das escritoras mais talentosas produzindo literatura no Tocantins. Além do “o canto da carpideira” (2014, EDUFT), ela já publicou outras obras como o livro de poemas: “Carretel de Rosas” (2012).

A obra retrata a vida sofrida de pessoas que aprendem desde muito cedo a conviver com a morte. Daí que o nome do romance faz alusão a personagem responsável por conduzir o ritual funebre com inselenças e orações – a carpideira. Um aspecto interessante em relação as mortes retratadas no romance é que não são por causas naturais ou como produto das relações conflituosas entre os indivíduos do lugar. Mas pela falta de condições básicas para uma vida digna. Tanto que as famílias quando se vê numa situação difícil em relação a assistência em saúde recorrer ao serviço das anciãs do lugar que possui o domínio de saberes populares. Essas senhoras dão assistência mesmo quando as famílias não possuem condições. Como no caso da família da pequena Dora que se vê órfão aos 6 anos de idade.

Temos consciência de que o sertão retratado na obra já não é o mesmo de hoje. Ainda que muitas famílias, mesmo nas grandes cidades, continuam sem ter acesso á condições de vida digna. Mas é importante para compreendermos nossas origens e ter uma ideia maior do que aqueles que denominavam esse território (o antigo norte goiano) de corredor da miséria.

É interessante como a partir das figuras femininas que aparecem no romance, além da carpideira também a raizeira e parteira. Analisarmos o lugar que as mulheres ocupa  nas comunidades tradicionais – como detentoras do conhecimento científico, digamos assim. Enquanto o papel dos homens é o serviço braçal por meio do qual alimentam a família. 

Já do ponto de vista da escrita, a autora consegue elaborar uma trama envolvente em que ela vai tecendo as estórias transformando monotonia em dinamicidade. Afinal de contas como ela diz estamos num lugar “onde tudo é igual, sem ser rotina.” Há algumas repetições desnecessárias. Mas nada que prejudique a leitura e a qualidade do romance. Talvez tenha sido intencional no sentido de evidenciar o que queria passar. Percebemos que há uma preocupação da autoria em descrever detalhadamente o cenário. E conseguiu de maneira competente.

O que a autora consegue também é nos sensibilizar diante de tantas tragédias que poderiam ser evitadas. Na sua apresentação da obra a Professora Rose Bodnar salienta a influência de autores como Gabriel Garcia Márquez e Graciliano Ramos. Concordo totalmente. Mas também acrescentaria Raquel de Queiroz, sobretudo no romance O quinze.

É importante destacar que do ponto de vista estilístico a obra não traz nenhuma novidade. Quanto a temática também não. No entanto isso não diminui de forma alguma a obra, sobretudo em relação ao conteúdo – esse sim é original.

Abro um parentese para dizer que cheguei a esse livro a partir de uma conversa com um estudante do Ensino Médio de uma turma que eu ministrava aula. Ele ia fazer o vestibular da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e não sabia qual seria a obra regional que iria cair na prova. Demos uma olhada no edital e descobrimos que seria “O canto da carpideira”, da Lita Maria. A autora não me era estranha, mas a obra nunca havia lido. Me comprometi então com o estudante que iria trabalhar o livro numa aula,  para tanto eu tinha que ler. E assim fiz.

Gostei tanto da obra, tanto do ponto de vista literário como das questões filosóficas e sociológicas que ela sucinta, que escolhi para trabalhar num projeto de filosofia e literatura. E não poderia deixar de recomendar a leitura para o público em geral. Aqueles que se interessarem podem encontra-la numa versão digital (em pdf) pesquisando no Google. Já os que assim como eu prefere o papel, pode adquirir junto a editora da Universidade Federal do Tocantins.

Pedro Ferreira Nunes – Graduado em Filosofia com especialização em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor na Rede Estadual de Educação do Tocantins.